Uma das intercorrências mais emblemáticas na importação de mercadorias decorre da falha na prestação de serviços pelo transportador marítimo, o responsável pelas informações lançadas no Siscomex Carga através do CE Mercante, um Sistema Eletrônico de Controle da Arrecadação do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). O objetivo é sistematizar o tratamento das informações integrando todo o sistema no âmbito do comércio exterior, desburocratizando processos, reduzindo custos operacionais, agilizando a liberação das cargas no porto, além de facilitar o controle da cobrança do AFRMM.
O sistema é alimentado pelo transportador marítimo, representado pela agência marítima (pessoa jurídica nacional que represente a empresa de navegação em um ou mais portos no País) ou pelo agente de carga (qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos). São informados: as escalas do navio, o manifesto da carga, as informações contidas no Conhecimento de Embarque (Bill of Lading), peso bruto, quantidade de volumes, quantidade e numeração dos contêineres, valor do frete, THC, entre outros.
A alimentação dos dados no sistema deve ser feita 48 horas antes da atracação do navio, seguindo procedimentos da Instrução Normativa SRF nº 800/2007. O descumprimento gera multa no valor mínimo de R$ 5.000,00, independentemente do período de atraso. A experiência mostra que ocorrem atrasos de minutos, mas que a fiscalização aduaneira não perdoa, sob o argumento de que a infração é objetiva, não permitindo juízo de relevação, legitimando a impugnação dos contribuintes autuados injustamente, sobretudo quando a falha é escusável e não houve prejuízo aos controles aduaneiros.
O problema surge quando a mercadoria está descarregada no porto e a conferência física não bate com as informações constantes do CE Mercante. Exemplo recente solucionado pelo escritório, envolvendo carga embarcada no exterior em 9 contêineres com descarga de somente 7. Dois contêineres ficaram a bordo em operação de transbordo no porto de Rotterdam, na Holanda. A despeito da falha na prestação de serviços, o transportador se recusou a providenciar a correção das informações no CE Mercante, desdobrando o BL, retificando o manifesto e os dados lançados em tempo hábil. A mercadoria permaneceu semanas no Porto de Santos sem solução, aguardando a chegada do restante acondicionado nos 2 contêineres que permaneceram em viagem, sem data para atracação do navio.
Para o importador cria problema grave, pois inviabiliza o registro da D.I., mantendo a carga já descarregada depositada no Porto, sujeita a perecimento, avarias, onerando os custos da operação, demurrage, armazém alfandegado e, sobretudo, perdas de natureza comercial, em razão do descumprimento de prazos de fornecimento dos insumos importados a tradicionais clientes, inclusive a exportação do produto industrializado, ameaçando benefícios como Drawback.
A situação toda se agrava porque somente o transportador pode alterar as informações no CE Mercante, por imposição legal. O importador fica refém, cabendo recorrer à assessoria especializada em logística de comércio exterior e jurídica aduaneira, pugnando pelo deferimento do despacho antecipado, também conhecido como despacho sobre águas. Outra opção é a entrega antecipada. Essas modalidades estão previstas no Artigo 17, VIII, letra a e artigos 47 e 68 da IN SRF nº 680/2006) e mesmo quando a situação não se encaixa, literalmente, numa das hipóteses legais, tem de requerer ao chefe da unidade da RFB na alfândega, que apreciará o pedido. O requerimento fundamentado adequadamente, instruído com os documentos de praxe, pode resultar em deferimento do registro da D.I., sobretudo quando convencido da ausência de culpa do importador, da segurança da medida excepcional, da inexistência de risco aos controles aduaneiros. Nesse caso é autorizada a entrega de um primeiro lote, com complementação da conferência e do desembaraço depois do desembarque da mercadoria faltante. Também é certo que o indeferimento do pedido possibilitará socorro à Justiça Federal, através de Mandado de Segurança com pedido de liminar.
Pedro Gilberto Brand
OAB/RS 37.955
Advogado especialista em Direito Aduaneiro